31 março 2006

«QUANDO OS LOBOS JULGAM A JUSTIÇA UIVA»

30 março 2006

QUANDO OS LOBOS JULGAM, A JUSTIÇA UIVA (II)

BALDIOS

O conceito de terreno baldio remonta aos primórdios da existência de Portugal como nação de fronteiras bem definidas.
Os baldios são, segundo Manuel Rodrigues(1), uma realidade jurídica económica e social, mais antigos que a própria fundação da nacionalidade.
O baldio era um terreno de uso comunitário indispensável à economia agrícola de subsistência e assento na pastorícia, fornecendo essencialmente lenhas,o estrume e as pastagens.
Os baldios surgem quase paralelamente às primeiras sociedades agrárias. A sua importância para a vida das populações era evidente.O sistema dos "pastos comuns" vem de há tempos imemoriais.
Jaime Gralheiro considera existirem, pelo menos, quatro fontes ou origens dos baldios, onde releva "aqueles que foram atribuídos, ou reconhecidos, nas escrituras de aforamento de concessão, doação ou aforamento aos grupos de cultivadores pelos reis e grandes senhores da terra".
Desde cedo que os monarcas se preocuparam com o "uso" destinado aos baldios e prepararam legislação que preenchesse lacunas no respeitante à sua utilização.
A ideia de que os baldios foram um elemento relevante na época da reconquista e reorganização do território, acompanhando os fenómenos da sua defesa e povoamento e alargando a área agrícola e silvícola,reúne grande unanimidade no pensamento histórico português.
Contudo, em pleno século XX, durante o período político do Estado Novo,verificou-se uma acentuada vontade política de acabar com este alegadamente anacrónico regime de propriedade.Com efeito,o Código Administrativo aprovado em 31-12-1940,veio definir,classificar,bem como afirmar qual o regime de aproveitamento dos Baldios,nos seus artigos 388.º a 403.º.
Tratou-se,segundo alguns autores,da derradeira tentativa de acabar com os Baldios,a qual foi sensivelmente mitigada,quiçá pela previsível resistência das populações que iriam ser espoliadas.
A revolução democrática,em 25 de Abril de 1974,veio alterar de forma radical este tipo de apropriação de baldios,devolvendo estes aos seus históricos possuidores e reconhecendo o seu direito inalienável sobre os mesmos.

Fontes:
(1) Rodrigues, Manuel: «Os Baldios»; Bica, António: «Os Baldios ao Longo do Tempo», in "Gazeta da Beira", 2004-2006.

29 março 2006

AD PERPETUAM REI MEMORIAM - A Propósito de «QUANDO OS LOBOS UIVAM»

QUANDO OS LOBOS JULGAM A JUSTIÇA UIVA

A RTP1 [*] vai dar início à exibição de uma série, no próximo dia 31 do corrente mês de Março, baseada no romance de Aquilino Ribeiro «Quando os Lobos uivam», adaptada por Francisco Moita Flores, que retrata a saga dos beirões em defesa dos baldios,durante a ditadura, nos finais dos anos 40 e início dos anos 50.
No espaço geográfico correspondente às "Terras do Demo", da sua Beira natal, nas fráguas da serra dos Milhafres, em que as populações retiravam uma parte significativa do seu sustento das propriedades comuns (baldios), onde o gado se alimentava e as pessoas recolhiam há séculos tudo o que a terra lhes dava, era vontade do ditador plantar pinheiros.
O romance «Quando os Lobos Uivam»,publicado no final do ano de 1958, no rescaldo das eleições presidenciais a que se candidatara o General Humberto Delgado, foi considerado pelo regime como injurioso para corporações que exerciam a autoridade pública, nomeadamente o Presidente do Conselho de Ministros e estes, bem como os magistrados judiciais e do ministério público e os tribunais em geral, e, em particular, os Plenários Criminais de Lisboa e do Porto, e , ainda, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado.
Por tal motivo, foi instaurado ao seu autor - o escritor Aquilino Ribeiro - processo crime, iniciado a 19 de Março de 1969.
A defesa jurídica de Aquilino, a cargo do advogado Heliodoro Caldeira, e a súmula da acusação foram publicadas em livro no Brasil, em 1960, pela Editora Liberdade e Cultura, de São Paulo, pela mão e com prefácio do grande poeta da Presença Adolfo Casais Monteiro, então ali exilado, com o impressivo título de «Quando os Lobos julgam, a Justiça uiva», o qual circulou clandestinamente em Portugal.
No início desse notável Prefácio, escreveu Casais Monteiro com grande acutilância: «O nosso conhecido medo de enfrentar a verdade (o medo de um povo que para tal foi educado, desde séculos antes de ter sido salazarizado), o falso optimismo do "talvez não seja tanto assim", que é a reacção dos que ainda querem salvar uma mísera comodidadezinha, pouco cima do nível da fome e paga à força de abdicações morais e espirituais - eis o terreno no qual a ditadura não teve dificuldade em firmar os alicerces do seu monstruoso culto de coisa-nenhuma.»
Não obstante o clima de repressão e de medo que então era vivido em Portugal, multiplicaram-se os abaixo-assinados dos intelectuais portugueses a exigir o arquivamento do iníquo processo, a par das referências na imprensa internacional e o protesto de prestigiados intelectuais estrangeiros, como François Mauriac, o qual redigiu uma petição em defesa de Aquilino, subscrita, entre outros, por Louis Aragon e André Maurois.
O processo crime acabou por ser arquivado cerca de vinte meses depois de ter sido instaurado, na sequência de uma oportuna amnistia.
Como refere Mário Soares, no Prefácio à obra «Em Defesa de Aquilino Ribeiro», organizada por Alfredo Caldeira e Diana Andringa, respectivamente filho e nora do advogado Heliodoro Caldeira,«os responsáveis do regime compreenderam, finalmente, perante a onda de protestos levantada, em Portugal e, sobretudo, no estrangeiro, que o excesso de zelo da polícia política e de alguns magistrados, demasiado atentos ás indicações do poder estabelecido, longe de beneficiar a imagem do salazarismo a comprometia irremediável e profundamente, perante as consciências livres e responsáveis».

[*] http://programas.rtp.pt/EPG/epg-janela.php?p_id=19262&e_id=1&c_id=1
Bibliografia:
«Quando os Lobos Julgam,a Justiça Uiva», Texto integral da acusação e defesa no Processo de Aquilino Ribeiro, Prefácio de Adolfo Casais Monteiro - Editora Liberdade e Cultura, São Paulo, 1960.
«Em Defesa de Aquilino Ribeiro», Organização de Alfredo Caldeira/Diana Andringa, com Prefácio de Mário Soares - TERRAMAR,1994.»

21 março 2006

Alemão Nazi em 22 Lições (III)

19 março 2006

Alemão Nazi em 22 Lições (II)

Alemão Nazi em 22 Lições

18 março 2006

LUCROS EXTRAORDINÁRIOS DE GUERRA

O Imposto sobre lucros extraordinários de guerra foi previsto no artigo 5.º da Lei n.º1.987, de 24 de Dezembro de 1941(Lei dos Meios).
A justificação da sua cobrança encontra-se no Relatório que antecedia o Orçamento Geral do Estado para o ano de 1942, sendo que os 15.000 contos ali inscritos se destinavam a atenuar os efeitos da guerra na evolução e agravamento da situação económica interna.
Eram sujeitos passivos do imposto todas as pessoas, singulares ou colectivas, que no exercício do comércio ou da indústria, tivessem realizado em 1941 lucros superiores a 20 por cento dos seus rendimentos ilíquidos normais, bem como, ainda, os simples intermediários ou comissários e aqueles que eventualmente tivessem realizado naquele ano negócios ou transacções de qualquer natureza com percepção de lucros que excedessem a normal remuneração - considerado para o efeito, o produto de 8 por cento - do capital empregado ou ao mesmo correspondente.
Para os fins deste decreto consideravam-se rendimentos ilíquidos normais, os que correspondessem à média dos realizados nos anos de 1937, 1938 e 1939 ou, na sua falta, os que tivessem servido de base ao lançamento da contribuição industrial de 1941.
Os factores de correcção a aplicar aos lucros extraordinários de guerra seriam fixados por despacho do Ministro das Finanças a publicar no «Diário do Governo».

Bases do Imposto:
Lei n.º1989, de 6 de Março de 1942.

Legislação complementar:
Decreto n.º31905, de 9 de Março de 1942;Decreto n.º24916, de 10 de Janeiro de 1935;
Decreto n.º27153, de 31 de Outubro de 1936;Decreto n.º28221, de 24 de Novembro de 1937.

Relação dos comércios, das indústrias e dos negócios considerados susceptíveis de terem produzido lucros extraordinários da guerra sujeitos ao imposto:
Açúcar; Adubos e guanos; Alcatifas, tapetes e outros estofos; Álcool, aguardente, licores e análogos; Algodão em obra e em rama; Análises químicas de minérios; Animais vivos - compreende as seguintes verbas da R.G.Ind. e Com. 35- Aves domésticas 228- Gado vivo; Azeite, óleos de bagaço e resíduos de extracção; Bancos, banqueiros e cambistas; Bicicletas novas e usadas; Bolachas e biscoitos; Borracha em bruto e em obra e oficinas de vulcanização; Cacau e outros produtos coloniais; Café; Calçado; Calda de tomate e extracçãode sumos de produtos hortícolas; Cantarias, paralelipípedos e mármores; Carnes ensacadas, fumadas, salgadas, sêcas e congeladas; Carvão; Cera em bruto; Cerâmica e louças; Cereais e legumes; Cerveja; Chocolates; Cimento e fibrocimento; Compras e vendas - por preços excepcionais de propriedades, de concessão de direitos e acções,arrendamentos,registos,cessão de cotas,de alvarás,etc.; Concessões do Estado -venda,arrendamento,cessão de cotas ou transferência por qualquer forma,no todo ou em parte,do direito de exploração; Confeiteiro ou pasteleiro; Conservas de fruta ou de peixe; Cordoeiro; Correias; Cortiça; Coiros e peles; Drogaria; Electricidade(Artigos de); Especialidades farmacêuticas e produtos químicos; Estância de madeiras e outros materiais de construção; Fermentos; Ferragens, ferro e outros metais; Fôlha de Flandres; Frutos e prudutos hortícolas; Fundição de artigos de ferro e outros metais; Géneros alimentícios; Hotéis, restaurantes e cafés; Jogos de fortuna ou de azar(Concessionários de); Jóias, ouro, pedras preciosas, platina e prata; Lã e lã em rama; Lacticínios, manteiga e queijo; Latas para embalagem de conservas e outros produtos; Lenhas; Limas; Lixas; Louça de procelana, de pó de pedra e de ferro esmaltado; Madeiras; Malhas e meias; Máquinas industriais; Massas alimentícias;
Minérios-extracção,separação,transformação,armazém,mercador,importador e exportador e comissários ou agentes; Modas; Navios e barcos- emprêsas de navegação,agentes,construção e reparação; Oleaginosas e óleos vegetais; Óleos;Óleos e farinhas de peixe; Papel,pasta,papelão e cartão; Peixa fresco,salgado e mariscos;Perfumes; Pesca por meio de aparelhagem; Petróleo e seus derivados; Pimentão moído; Resina e análogos; Sabão e sabonetes; Sal; Sarro de vinho e análogos; Sêbo; Seda e anáologos; Seguros; Sisal; Sucatas; Transitários e transportes de qualquer natureza; Vidros,espelhos,cristais e vidraça; Vinhos de pasto ou consumo.

08 março 2006

Lucros extraordinários da Guerra

05 março 2006

AD PERPETUAM REI MEMORIAM - Manuel Alves Ferreira

II GUERRA MUNDIAL
- Portugueses que contribuiram para o triunfo da causa dos Aliados:
MANUEL ALVES FERREIRA, uma vida exemplar.


A História regista a atitude de neutralidade adoptada por Portugal no conflito opondo as chamadas potências do Eixo (1) e os Aliados, que deflagrou entre 1939 e 1945.
A posição perfilhada pelo Governo Português da época presidido por Oliveira Salazar foi frequentemente invocada pelos apoiantes do Estado Novo para afirmar a genialidade política daquele, com a fervorosa concordância de alguns sectores da Igreja Católica.
Apesar de uma tal política de não beligerância ter poupado o País a todos os horrores da guerra, há que não esquecer que a então colónia portuguesa de Timor veio a ser envolvida no conflito.
Por um lado, é um facto que a Alemanha não respeitou o estatuto de neutralidade de países como a Bélgica e os Países Baixos, e, por outro, sabe-se actualmente que Hitler teria ponderado a eventual ocupação da Península Ibérica.
Sem embargo do não envolvimento directo de Portugal no conflito, o Povo português veio a sofrer os seus efeitos colaterais, mormente as classes economicamente mais desfavorecidas, em virtude do racionamento até mesmo de bens essenciais, como a própria farinha e o pão.
No entanto, bastantes foram os agentes económicos que vieram a auferir avultados proventos dessa situação, nas transacções comerciais, quer com os Aliados, quer com os outros beligerantes, em particular com a Alemanha.
Ao espírito arguto do financista ditador não passou despercebida a oportunidade do Estado arrecadar vultuosas receitas, mediante a tributação das mais valias decorrentes dessa actividade comercial, lançando o Imposto Sobre os Lucros Extraordinários de Guerra (2).
A par das miríficas fortunas que floresceram da noite para o dia em resultado do aparecimento do volfrâmio, foram sobretudo os grandes grupos económicos que mais beneficiaram nesse período.
Decorrido mais de meio século sobre o termo do conflito, um entrevistado do programa televisivo conduzido por Ana de Sousa Dias, herdeiro de uma das maiores empresas conserveiras nacionais, referiu que no “bunker” de Hitler foram descobertas embalagens de conservas de peixe naquela produzidas…


Nesse ambiente, é fácil de perceber que as simpatias dos apaniguados do regime ou dos grandes beneficiários da situação tendiam para a Alemanha.
Numa altura em que seria pequeno o número de possuidores de aparelhos de telefonia sem fios, os quais possibilitariam a captação das emissões em ondas-curtas da B.B.C., donde chegava a voz do lendário Fernando Pessa, era de primacial importância a difusão da informação emanada dos Aliados sobre a evolução da guerra, contrariando a publicidade distribuída a partir da Embaixada do Reich em Lisboa.
Foi nesse contexto que numa pequena localidade do Centro do País, em Condeixa-a-Nova, um modesto empregado de balcão duma loja de ferragens, de nome Manuel Alves Ferreira, ao tempo com pouco mais de vinte anos de idade, assumiu a tarefa de proceder à distribuição de material informativo relativo à acção dos Aliados, em especial dos Ingleses, nos teatros de operações, e a rebater a propaganda nacional-socialista(3).
Contemporaneamente, surgia em Coimbra uma jovem geração de intelectuais socialmente comprometidos, de entre eles Carlos de Oliveira e João José Cochofel, bem como, ainda, Fernando Namora (4), sendo este último natural de Condeixa, apenas um ano mais velho do que Manuel Ferreira, com o qual, aliás, veio a estabelecer uma relação de estima e amizade que perdurou toda a vida.
Para além da sempre vigilante actuação da polícia política do regime, agentes alemães actuavam impunemente em Portugal, pelo que, certamente, uma tal tarefa não era isenta de risco!
Tais serviços foram objecto do expresso reconhecimento por parte da Embaixada Britânica em Lisboa, mediante Carta datada de Julho de 1946, fazendo acompanhar o texto em inglês da respectiva tradução portuguesa.

Manuel Alves Ferreira, residente há mais de oito décadas e meia em Condeixa-a-Nova, onde exerceu a actividade comercial, encontra-se, ao presente, incapacitado em consequência da sua avançada idade e doença.
Pela sua desinteressada e anónima contribuição em prol do triunfo da causa da Democracia sobre os totalitarismos, sendo totalmente desconhecida, e, portanto, ignorada a sua actuação, mereceria, igualmente, a gratidão e o reconhecimento, pelo seu exemplo de vida e acção, do seu País.

(1) Katherine Duff, Part III. Neutral and non-belligerent Allies, (v) Portugal, p.316-345, in «The War and the Neutrals» Survey of International Affairs 1939-1946, edited by Arnold Toynbee and Veronica M. Toynbee, issued under the auspices of the Royal Institute of International Affairs, Oxford University Press, 1956.
Vide, ainda, «Correspondência de um diplomata no III Reich - Veiga Simões:Ministro acreditado em Berlim de 1933 a 1940», Lina Alves Madeira(introdução,selecção e organização), Prefácio de Luís Reis Torgal, Mar da Palavra-Edições,Ldª.,Colecção Barca de Cronos n.º1, Coimbra,Dezembro de 2005(1.ª edição);
(2) Vide «O Imposto Sobre Lucros Extraordinários de Guerra», Edmundo Ferreira de Almeida, Secretário de Finanças, Sub-Chefe do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa, 1942;
«Lucros Extraordinários de Guerra», 2.ª edição, Imprensa Nacional de Lisboa, 1943;
«Lucros Extraordinários de Guerra», 3.ª edição, Imprensa Nacional de Lisboa, 1944.
(3) «Alemão-Nazi em 22 Lições Compreendendo informações úteis para Führers,Quinta-Colunistas, Gauleiters e Quislings».

PT

Manuel Alves Ferreira - Reconhecimento da Embaixada Britânica