01 novembro 2016

O ALMOCREVE REPUBLICANO - Democracia...à bomba!

ILLUSTRAÇÃO PORTUGUEZA
II Série N.º255 Lisboa,9 de Janeiro de 1911
Edição semanal do jornal O SÉCULO
Director: Carlos Malheiro Dias

A BOMBA A SERVIÇO DA REVOLUÇÃO
Jorge de Abreu

Dias depois da proclamação da Republica, tivemos ensejo de falar a um jornalista francez que actualmente collabora n'um diário radical - extremamente radical - do seu paiz. Esse confrade queria, antes de mais nada, saber se realmente no movimento revolucionário de 4 e 5 de Outubro, o elemento popular representara um papel importante. Tinham-lhe fornecido essa informação e elle, julgando-a preciosa para a reportage, desejava vel-a confirmada em absoluto. Respondemos-lhe affirmativamente, accrescentando que muitos dos revoltosos da classe civil haviam utilisado a bomba explosiva como arma de combate, destinada especialmente a destroçar a cavallaria inimiga.
- E em Lisboa fabricam-se bombas? perguntou logo o jornalista faiscante de interesse.
- Fabricam-se...
- Em larga escala?
- Às centenas...
O confrade pulou da cadeira em que se refastelara e murmurou commovido:
- Mas isso é uma industria...
Socegamol-o, explicando-lhe que o fabrico das bombas entre nós não revestia um carácter mercenário.
(...) Na infancia da arte, a polícia preventiva, sob a direcção do Juiz Veiga, tinha uma lista de fabricantes, que lhe facilitava o trabalho das capturas, quando, porventura, se produzia qualquer incidente de caracter agitador. E explosão da Estrella - em que se feriram bastante alguns  d'esses confeccionadores de engenhos destruidores - foi o primeiro signal de rebate que a policia teve d'uma larga preparação de bombas com destino ao movimento de 28 de Janeiro. N'essa altura ainda a lista a que nos referimos deu ao juiz Veiga elementos para desfiar um pouco a meada do complot. Os individuos presos n'essa ocasião pertenciam na quasi totalidade à loja irregular Obreiros do Futuro, uma carbonaria lisboeta fundada em 1897 por Heliodoro Salgado, Benjamim José Rebello, Julio Dias, Sebastião Eugénio, José do Valle e  varios democratas de Alcantara.
(...) À explosão da Estrella succedeu, com pequeno intervalo, a do rua do Carrião.(...) Aquilino Ribeiro, embora as suas convicções o tivessem desde muito enfileirado n'um grupo libertario, nunca fizera bombas. Sabia que, mercê da preparação do movimento revolucionário de 28 de Janeiro esse fabrico se estendera a diversos pontos da capital e mesmo para fóra d'ella; dava-se intimamente com diversos militante e propagandistas da acção directa, cooperara até na organizaçãp do ataque aos quartéis, e às forças da municipal, indo com o regicida Alfredo Costa e outros alugar quartos em varios pontos estrategicos - d'onde projectavam dynamitar aquella legião fiel ao regimen monarchico (...).
De repente, um grande estrondo fez estremecer o pavimento, o tecto, as paredes, do modesto quarto da rua do Carrião. A bomba do D. Gonçalves Lopes explodira!...
(...) Esse momento foi para Aquilino de dolorosissima hesitação. Dirigiu-se a outro quarto a lavar-se porque estava negro como um carvoeiro e quando voltou ao primeiro aposento pensou em fugir. Mas, como? O chapeu que tinha na cabeça, um chapeu molle, de feltro preto, parecia um crivo. O vestuario não inspirava confiança, as mãos e a cara denunciavam-n'o, trahiam-n'o. Passeiou uns segundos no quarto, sem saber o que fazer e quando percebeu que gente estranha subia a escada do predio, a inquirir da causa do estrondo escondeu-se debaixo de uma cama.. Os primeiros minutos passou-os quieto e calado n'esse refúgio de occasião. Mas, logo que ouviu a curta distância os commentários da polícia e as interrogações dos reporters, longe de procurar misturar-se aos collegas - Aquilino era n'esse tempo collaborador d'um diario republicano da manhã - dando-se ares de alheio ao caso, começou de agitar-se e despertou a attenção do chefe Ferreira. Estava apanhado...
Levaram-n'o para o governo civil e depois á Morgue. Aqui, collocaram-n'o em frente dos dois cadaveres mutilados - o do dr. Gonçalves Lopes e o do commerciante - e tentaram, com essa confrontação perturbadora, arrancar-lhe a confissão plena do seu segredo. Aquilino verteu uma lágrima de saudade, mas nada disse do que a polícia ambicionava saber. E durante os dois mezes de incommunicabilidade na esquadra do Caminho Novo, de tal modo resistiu ao cerco de perguntas que o chefe Ferreira lhe dirigiu que o juizo de instrucção criminal que, com a explosão da Estrella, conseguira prender, por suspeitas, umas cem pessoas, com a da rua do Carrião, apenas incomodou um homem em casa de quem foi encontrado um cartão de visita, onde se lia unica e simplesmente o nome de Aquilino...

4- As bombas expostas no Museu da Revolução
5- O commerciante J. Belmonte, a outra victima da explosão da Rua do Carrião