22 maio 2006

NO REINO DE "BIBLOS" (4) - A Inquisição

A INQUISIÇÃO
O "Index" - Os autos-de-Fé

No mundo cristão, a primeira notícia de uma queima de "livros proibidos" é-nos dada pelos Actos dos Apóstolos.

O sinal de partida estava dado. Durante a Antiguidade e na Idade Média foram condenadas várias doutrinas heréticas e os livros que as continham, tanto pelos papas como pelos concílios. Os livros reprovados não deviam ser lidos nem possuídos pelos cristãos: deviam ser queimados ou entregues à autoridade eclesiástica, e a partir do século XIV estas proibições foram suplementadas com a pena de excomunhão.

Os primeiros livros de que há memória a serem censurados em Portugal pelo poder régio foram as obras de John Wycliffe e de Jan Hus, proibidas e mandadas queimar por um Alvará de 18 de Agosto de 1451, por D. Afonso V.
Mais tarde, há notícia da repressão da divulgação de textos
luteranos por parte de D. Manuel, o que levou o papa Leão X a agradecer-lhe oficialmente em 20 de Agosto de 1521.

Com a instauração da Inquisição em Portugal pela bula Cum ad nihil magis, de 23 de Maio de 1536, proibia-se o ensino da religião judaica entre os "Cristãos-novos" (e entre o Cristãos-velhos, como é óbvio) e o uso das Sagradas Escrituras "em linguagem" (ou seja, em linguagem vulgar, em vez do latim). Passaram a existir três entidades censoras: censura do Santo Ofício, censura régia (ou do Desembargo do Paço) e censura do ordinário.
Os primeiros documentos que temos relativos à concessão de licenças para a impressão referem-se a obras de
Baltasar Dias (a 20 de Fevereiro de 1537) e à Cartinha, uma introdução à "Gramática" de João de Barros, em 1539.

Em 2 de Novembro de 1540, o cardeal D. Henrique, nomeado Inquisidor-mor por D. João III, dava ao Prior da Ordem de São Domingos a autoridade para verificar o tipo de livros vendidos em livrarias públicas ou privadas, além de proibir a impressão de qualquer livro sem examinação prévia. Até 1598, a revenda de livros foi, graças a esta medida, monopólio dos Dominicanos. Nesta data, contudo, o inquisidor-geral, D. António de Matos Noronha espalhou este privilégio por outras ordens clericais.
A
16 de Julho de 1547, a censura torna-se um pouco mais leve graças às directrizes apontadas na bula sobre a Inquisição, Meditatis cordis, mas aparece também o primeiro Index de livros proibidos em Portugal, na sequência do Quinto Concílio de Latrão (1515). A lista reproduz basicamente os livros banidos pela Sorbonne em 1544 e pela Universidade de Lovaina, em 1546.
Na sequência da descoberta pela Inquisição de livros proibidos na posse de professores estrangeiros do
Colégio das Artes, a vigilância sobre os livros alarga-se também para as alfândegas, que passam a verificar mais detalhadamente a ortodoxia dos livros que entram no país. A 4 de Julho de 1551 é publicado outro Índice, onde os censores portugueses, tal como Israel Salvador Revah indica em "La Censure Inquisitoriale Portugaise au XVI siècle" (1960), juntam às obras banidas pelos teólogos de Lovaina, os livros catalogados pelo erudito suíço Conrad Gesner na sua Bibliotheca Universalis, além de outras obras, entre as quais se contam sete autos de Gil Vicente. Este será o primeiro Índex português a ser impresso e que será divulgado em todo o território nacional pelos inquisidores que, de acordo com o Regimento da Santa Inquisição de 3 de Agosto de 1552, deveriam publicar editais, além de obrigarem à entrega de todos os livros indicados na lista, denunciando quem os possuísse.

D. João III, em 1555, dava um exemplo explícito do que deveria ser a Censura preventiva, ao encarregar o corregedor da Câmara do Porto da revisão do Tratado da Arte de Arismética, publicado nesse ano, da autoria do matemático português Bento Fernandes.
Em
1557, o papa Paulo IV, seguindo o exemplo da Universidade de Lovaina e das diligências de Carlos V, ordenou a criação do Índex romano, publicado no ano seguinte (e reeditado em Coimbra pelo bispo D. João Soares), onde se sentenciava à pena de excomunhão latae sententitae (que implicava excomunhão automática) e à "perpétua infâmia" quem possuísse tais livros. A severidade deste papa desencadeou uma onda de pânico entre os livreiros e intelectuais europeus. Portugal não foi excepção.
Em
1561, o dominicano Francisco Foreiro assinou um novo Índice, a pedido ainda do Cardeal D. Henrique que escreveu como preâmbulo uma carta em que, não sendo tão severo quanto o emanado pela Santa Sé, proclamava a necessidade de uma "Censura preventiva".
A
21 de Outubro de 1561, o inquisidor-mor definiu os deveres dos "visitadores das naus", que fariam a vistoria das obras trazidas do estrangeiro pelo mar.
Entretanto, a atitude censória em Portugal foi abertamente reconhecida pelo
papa Pio IV que chamou Frei Francisco Foreiro a secretariar a comissão do Concílio de Trento incumbida da revisão do Índex de Paulo IV.O frade português foi o principal autor das dez regras - que seriam posteriormente aplicadas a todo o mundo católico - que precediam o Índex saído do Concílio, promulgado em 1564 pelo papa Paulo V, bem como de todos os Índices que se sucederiam no futuro. O Índex tridentino foi publicado em Lisboa, no mesmo ano, juntamente com uma adenda designada por "Rol dos livros que neste Reino se proibem" - como se fará, de resto, nos seguintes Índices publicados em Portugal.
D. Sebastião, através de uma lei de 18 de Junho de 1571, também teve um papel importante na legislação portuguesa relativa à censura, ao definir as penas civis a aplicar a quem possuísse obras proibidas. Entre as sanções, há a citar desde a perda da quarta parte dos bens do infractor à perda de metade, acrescida da pena do exílio no Brasil ou em África. A pena de morte era igualmente contemplada. A 4 de Dezembro de 1576, tornou obrigatória a censura do Desembargo do Paço, mesmo após aprovação pela censura do Santo Ofício ou pela censura do ordinário.
Após a morte do Cardeal D. Henrique, há ainda a mencionar a decisão do inquisidor-mor
D. Jorge que, a 15 de Julho de 1579, ordena a queima pública de livros nos autos-de-fé.

Em 1581, D. Jorge de Almeida publica um novo Índex onde é reimpresso o documento tridentino de 1564.
O Regulamento do Conselho Geral do Santo Ofício de
1 de Março de 1570 estipulava que os inquisidores locais deixavam de ter autoridade no que dizia respeito à censura preventiva, que passou a ser da competência dos revendedores deste organismo.
O
papa Clemente VIII publicou, entretanto, o Índex de 1596, o último deste século, reimpresso em Lisboa no ano seguinte.
As Ordenações Filipinas de
1603, emanadas durante o reinado de Filipe II reafirmam a obrigatoriedade da censura preventiva civil, tal como tinha sido imposto por D. Sebastião.
Em 1624, o inquisidor-mor D.
Fernando Martins Mascarenhas fez sair no prelo, subscrito pelo jesuíta Baltasar Álvares, o primeiro Índex do século XVII, que tem a novidade de incluir novas orientações gerais - as regras do Catálogo de Portugal - além das que pertenciam ao Catálogo Universal Romano. O Índex era constituído, por isso, de três partes: o Índex tridentino, o Index pro Regnis Lusitaniae e uma secção (o primeiro Índice expurgatório português) dedicada às passagem a serem eliminadas de quaisquer livros sobre as Escrituras Sagradas, filosofia, teologia, ocultismo e mesmo ciência e literatura. Este Índex manter-se-ia em vigor até ao século XVIII.
Em
29 de Abril de 1722 há, contudo, uma excepção memorável (e única, tanto quanto se sabe) a este ciclo, com a isenção de qualquer tipo de censura, especialmente da censura inquisitorial) para a Real Academia de História, por um Decreto de 29 de Abril de 1722.
Com o regime liberal, a extinção da Inquisição em Portugal levou também, como é óbvio, à extinção da Censura Inquisitorial.

FONTES:
- António de Macedo,"Inquisição e Tradição Esotérica: Acção e Reacção no Colonialismo e Ex-Colonialismo do Império Português IV - As queimas de livros"
http://www.triplov.com/macedo/inquisitio/queimas_livros.htm
- Censura em Portugal/Wikipedia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Censura_em_Portugal