03 novembro 2016

O ALMOCREVE DA REPÚBLICA - Política e Justiça na I República

POLÍTICA E JUSTIÇA NA I REPÚBLICA,Luís Bigotte Chorão
Um Regime entre a Legalidade e a Excepção Vol. 1 : 1910-1915
Colecção História Contemporânea
Livraria Letra Livre, 1.ª edição Janeiro 2011

"O título escolhido traduz rigorosamente o objecto da investigação, e o subtítulo clarifica a perspectiva de análise historiográfica que tem a particularidade de se abrir à compreensão do elemento jurídico. Sendo certo que este elemento é incindível da realidade histórica global, facto é que ele se afirma na sua especificidade própria, pelo que naturalmente determina, ou ao menos influencia, o critério da sua apreensão e relacionamento com outros factores históricos."
      O perfeito advogado e o «aspecto profundamente injurídico» da República
Quando na noite de 16 de Fevereiro de 1921, José Soares da Cunha e Costa subiu à tribuna da Associação dos Advogados de Lisboa para proferir a «conferência solene do ano associativo», decidiu confrontar a assembleia, não com a discussão de uma qualquer questão exegética da ciência jurídica - a que estavam acostumados os habituais frequentadores dos trabalhos da Associação  -, mas com um tema de dupla relevância jurídica e política, e permanente actualidade.
      Cunha e Costa, é certo, alinhara desde os seus tempos de escolar de Direito em Coimbra com os adversários da monarquia (...). Integrou depois as listas eleitorais do Partido Republicano e foi eleito vereador em Lisboa, guindando-se, logo após o 5 de Outubro, a colaborador próximo de Afonso Costa, a respeito de cuja «individualidade inconfundível» - assim a caracterizou -, já antes notara o que mais o cativava e seduzia: «a sobriedade dos processos com os quais obtém os máximos efeitos».

(...) Como por certo nenhum dos circunstantes ignoraria que pudesse suceder, Cunha e Costa transformou a sua comunicação, irrepreensível no plano formal, numa violenta catilinária contra o que qualificou constituir a «tara» inicial do regime: « o seu aspecto profundamente injurídico».
      Na palavra do conferencista, o diagnóstico não se revestia propriamente de novidade, pois no final de 1911 escrevera nas páginas de O Dia:
      «Abundam as leis de efeito retroactivo, as leis de circunstância, as leis proscriptoras dos direitos mais autenticamente adquiridos. A legislação da República é a incerteza do Direito. A República não tem, por ora, a noção de Direito.19.
Há nos republicanos de governo uma tendência irresistível para o arbítrio. Confundem facilmente a energia com a violência. Reincidem instintivamente em todas as práticas que precipitaram a queda de João Franco e da Monarquia».

19 O Dia, de 31 de Dezembro de 1911