05 março 2006

AD PERPETUAM REI MEMORIAM - Manuel Alves Ferreira

II GUERRA MUNDIAL
- Portugueses que contribuiram para o triunfo da causa dos Aliados:
MANUEL ALVES FERREIRA, uma vida exemplar.


A História regista a atitude de neutralidade adoptada por Portugal no conflito opondo as chamadas potências do Eixo (1) e os Aliados, que deflagrou entre 1939 e 1945.
A posição perfilhada pelo Governo Português da época presidido por Oliveira Salazar foi frequentemente invocada pelos apoiantes do Estado Novo para afirmar a genialidade política daquele, com a fervorosa concordância de alguns sectores da Igreja Católica.
Apesar de uma tal política de não beligerância ter poupado o País a todos os horrores da guerra, há que não esquecer que a então colónia portuguesa de Timor veio a ser envolvida no conflito.
Por um lado, é um facto que a Alemanha não respeitou o estatuto de neutralidade de países como a Bélgica e os Países Baixos, e, por outro, sabe-se actualmente que Hitler teria ponderado a eventual ocupação da Península Ibérica.
Sem embargo do não envolvimento directo de Portugal no conflito, o Povo português veio a sofrer os seus efeitos colaterais, mormente as classes economicamente mais desfavorecidas, em virtude do racionamento até mesmo de bens essenciais, como a própria farinha e o pão.
No entanto, bastantes foram os agentes económicos que vieram a auferir avultados proventos dessa situação, nas transacções comerciais, quer com os Aliados, quer com os outros beligerantes, em particular com a Alemanha.
Ao espírito arguto do financista ditador não passou despercebida a oportunidade do Estado arrecadar vultuosas receitas, mediante a tributação das mais valias decorrentes dessa actividade comercial, lançando o Imposto Sobre os Lucros Extraordinários de Guerra (2).
A par das miríficas fortunas que floresceram da noite para o dia em resultado do aparecimento do volfrâmio, foram sobretudo os grandes grupos económicos que mais beneficiaram nesse período.
Decorrido mais de meio século sobre o termo do conflito, um entrevistado do programa televisivo conduzido por Ana de Sousa Dias, herdeiro de uma das maiores empresas conserveiras nacionais, referiu que no “bunker” de Hitler foram descobertas embalagens de conservas de peixe naquela produzidas…


Nesse ambiente, é fácil de perceber que as simpatias dos apaniguados do regime ou dos grandes beneficiários da situação tendiam para a Alemanha.
Numa altura em que seria pequeno o número de possuidores de aparelhos de telefonia sem fios, os quais possibilitariam a captação das emissões em ondas-curtas da B.B.C., donde chegava a voz do lendário Fernando Pessa, era de primacial importância a difusão da informação emanada dos Aliados sobre a evolução da guerra, contrariando a publicidade distribuída a partir da Embaixada do Reich em Lisboa.
Foi nesse contexto que numa pequena localidade do Centro do País, em Condeixa-a-Nova, um modesto empregado de balcão duma loja de ferragens, de nome Manuel Alves Ferreira, ao tempo com pouco mais de vinte anos de idade, assumiu a tarefa de proceder à distribuição de material informativo relativo à acção dos Aliados, em especial dos Ingleses, nos teatros de operações, e a rebater a propaganda nacional-socialista(3).
Contemporaneamente, surgia em Coimbra uma jovem geração de intelectuais socialmente comprometidos, de entre eles Carlos de Oliveira e João José Cochofel, bem como, ainda, Fernando Namora (4), sendo este último natural de Condeixa, apenas um ano mais velho do que Manuel Ferreira, com o qual, aliás, veio a estabelecer uma relação de estima e amizade que perdurou toda a vida.
Para além da sempre vigilante actuação da polícia política do regime, agentes alemães actuavam impunemente em Portugal, pelo que, certamente, uma tal tarefa não era isenta de risco!
Tais serviços foram objecto do expresso reconhecimento por parte da Embaixada Britânica em Lisboa, mediante Carta datada de Julho de 1946, fazendo acompanhar o texto em inglês da respectiva tradução portuguesa.

Manuel Alves Ferreira, residente há mais de oito décadas e meia em Condeixa-a-Nova, onde exerceu a actividade comercial, encontra-se, ao presente, incapacitado em consequência da sua avançada idade e doença.
Pela sua desinteressada e anónima contribuição em prol do triunfo da causa da Democracia sobre os totalitarismos, sendo totalmente desconhecida, e, portanto, ignorada a sua actuação, mereceria, igualmente, a gratidão e o reconhecimento, pelo seu exemplo de vida e acção, do seu País.

(1) Katherine Duff, Part III. Neutral and non-belligerent Allies, (v) Portugal, p.316-345, in «The War and the Neutrals» Survey of International Affairs 1939-1946, edited by Arnold Toynbee and Veronica M. Toynbee, issued under the auspices of the Royal Institute of International Affairs, Oxford University Press, 1956.
Vide, ainda, «Correspondência de um diplomata no III Reich - Veiga Simões:Ministro acreditado em Berlim de 1933 a 1940», Lina Alves Madeira(introdução,selecção e organização), Prefácio de Luís Reis Torgal, Mar da Palavra-Edições,Ldª.,Colecção Barca de Cronos n.º1, Coimbra,Dezembro de 2005(1.ª edição);
(2) Vide «O Imposto Sobre Lucros Extraordinários de Guerra», Edmundo Ferreira de Almeida, Secretário de Finanças, Sub-Chefe do 3.º Bairro Fiscal de Lisboa, 1942;
«Lucros Extraordinários de Guerra», 2.ª edição, Imprensa Nacional de Lisboa, 1943;
«Lucros Extraordinários de Guerra», 3.ª edição, Imprensa Nacional de Lisboa, 1944.
(3) «Alemão-Nazi em 22 Lições Compreendendo informações úteis para Führers,Quinta-Colunistas, Gauleiters e Quislings».