29 março 2006

AD PERPETUAM REI MEMORIAM - A Propósito de «QUANDO OS LOBOS UIVAM»

QUANDO OS LOBOS JULGAM A JUSTIÇA UIVA

A RTP1 [*] vai dar início à exibição de uma série, no próximo dia 31 do corrente mês de Março, baseada no romance de Aquilino Ribeiro «Quando os Lobos uivam», adaptada por Francisco Moita Flores, que retrata a saga dos beirões em defesa dos baldios,durante a ditadura, nos finais dos anos 40 e início dos anos 50.
No espaço geográfico correspondente às "Terras do Demo", da sua Beira natal, nas fráguas da serra dos Milhafres, em que as populações retiravam uma parte significativa do seu sustento das propriedades comuns (baldios), onde o gado se alimentava e as pessoas recolhiam há séculos tudo o que a terra lhes dava, era vontade do ditador plantar pinheiros.
O romance «Quando os Lobos Uivam»,publicado no final do ano de 1958, no rescaldo das eleições presidenciais a que se candidatara o General Humberto Delgado, foi considerado pelo regime como injurioso para corporações que exerciam a autoridade pública, nomeadamente o Presidente do Conselho de Ministros e estes, bem como os magistrados judiciais e do ministério público e os tribunais em geral, e, em particular, os Plenários Criminais de Lisboa e do Porto, e , ainda, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado.
Por tal motivo, foi instaurado ao seu autor - o escritor Aquilino Ribeiro - processo crime, iniciado a 19 de Março de 1969.
A defesa jurídica de Aquilino, a cargo do advogado Heliodoro Caldeira, e a súmula da acusação foram publicadas em livro no Brasil, em 1960, pela Editora Liberdade e Cultura, de São Paulo, pela mão e com prefácio do grande poeta da Presença Adolfo Casais Monteiro, então ali exilado, com o impressivo título de «Quando os Lobos julgam, a Justiça uiva», o qual circulou clandestinamente em Portugal.
No início desse notável Prefácio, escreveu Casais Monteiro com grande acutilância: «O nosso conhecido medo de enfrentar a verdade (o medo de um povo que para tal foi educado, desde séculos antes de ter sido salazarizado), o falso optimismo do "talvez não seja tanto assim", que é a reacção dos que ainda querem salvar uma mísera comodidadezinha, pouco cima do nível da fome e paga à força de abdicações morais e espirituais - eis o terreno no qual a ditadura não teve dificuldade em firmar os alicerces do seu monstruoso culto de coisa-nenhuma.»
Não obstante o clima de repressão e de medo que então era vivido em Portugal, multiplicaram-se os abaixo-assinados dos intelectuais portugueses a exigir o arquivamento do iníquo processo, a par das referências na imprensa internacional e o protesto de prestigiados intelectuais estrangeiros, como François Mauriac, o qual redigiu uma petição em defesa de Aquilino, subscrita, entre outros, por Louis Aragon e André Maurois.
O processo crime acabou por ser arquivado cerca de vinte meses depois de ter sido instaurado, na sequência de uma oportuna amnistia.
Como refere Mário Soares, no Prefácio à obra «Em Defesa de Aquilino Ribeiro», organizada por Alfredo Caldeira e Diana Andringa, respectivamente filho e nora do advogado Heliodoro Caldeira,«os responsáveis do regime compreenderam, finalmente, perante a onda de protestos levantada, em Portugal e, sobretudo, no estrangeiro, que o excesso de zelo da polícia política e de alguns magistrados, demasiado atentos ás indicações do poder estabelecido, longe de beneficiar a imagem do salazarismo a comprometia irremediável e profundamente, perante as consciências livres e responsáveis».

[*] http://programas.rtp.pt/EPG/epg-janela.php?p_id=19262&e_id=1&c_id=1
Bibliografia:
«Quando os Lobos Julgam,a Justiça Uiva», Texto integral da acusação e defesa no Processo de Aquilino Ribeiro, Prefácio de Adolfo Casais Monteiro - Editora Liberdade e Cultura, São Paulo, 1960.
«Em Defesa de Aquilino Ribeiro», Organização de Alfredo Caldeira/Diana Andringa, com Prefácio de Mário Soares - TERRAMAR,1994.»