AMOR AOS LIVROS
AMOR AOS
LIVROS
"no tempo actual das cibernéticas bibliotecas virtuais, a nobreza, o prestígio e a incomparável beleza do livro impresso, cuja vista e cujo prazer táctil nenhum CD-ROM jamais poderá substituir aos olhos e dedos humanos"
Aníbal Pinto de Castro
"no tempo actual das cibernéticas bibliotecas virtuais, a nobreza, o prestígio e a incomparável beleza do livro impresso, cuja vista e cujo prazer táctil nenhum CD-ROM jamais poderá substituir aos olhos e dedos humanos"
Aníbal Pinto de Castro
DA
“FAMOSA ARTE DA IMPRIMISSÃO”
Obras
das Edizioni dell’Elefante
Com um
texto de Guglielmo Cavallo
E uma
apresentação de Aníbal Pinto da Castro
Biblioteca
Joanina 21 de Abril – 23 de Maio de 1998
Com o
patrocínio do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal e do Ministero
degli Affari Esteri della Republica Italiana
Universidade
de Coimbra – Acabou de se imprimir em Coimbra no mês de Abril mcm.xc.viii
Apresentação
“Num dos
últimos dias de Novembro de 1996, quando o ar azul de um céu que as primeira
chuvas haviam feito diáfano deixava já um breve arrepio na beleza eterna das
pedras de Roma, teve o Senhor Embaixador de Portugal junto da Santa Sé, Dr.
António Pinto da França, a gentileza de me levar ao terceiro andar do velho
Palácio Lante, na Piazza dei Caprettari, para me fazer conhecer o Editor Enzo
Crea.
(…) Para mim que, no meu pouco saber, sempre tenho vivido
no amor aos livros, aquele homem que se afadigava para me mostrar as
preciosidades gráficas saídas da sua inteligência e de suas mãos, aparecia-me
como uma cópia moderna dos Manuzio de Veneza, do Plantin de Antuérpia ou de
algum dos impressores portugueses de Quinhentos, fossem eles António Álvares,
João de Barreira ou Manuel Lira.
E logo no
pusemos a congeminar uma exposição com a qual, à semelhança do que ele já
fizera em outras bibliotecas famosas, como a Bodleian Library, de Oxford, a
Houghton Library, de Harvard, a Biblioteca Apostólica Vaticana ou a Casatanense,
de Roma, e na esplendorosa sumptuosidade barroca da sua Real Casa da Livraria,
uma espécie de culto do livro com alguns dos primores das suas colecções.
Era como se aquele elefante que o Rei D. Manuel enviara
em 1514 ao Papa Leão X, com a famosa embaixada de Tristão da Cunha, e que,
tomado da
figura esculpida por Bernini para nobilitar a Praça de Minerva, agora serve
de emblema aos livros de Enzo Crea, voltasse a Portugal, para com eles
restituir o magnífico preito de vassalagem que, quase cinco séculos antes, o
Monarca português quisera prestar ao Romano Pontífice.
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Logo Edizione dell'Elefante |
(…) A última exposição que Enzo Crea organizara, na
Biblioteca Casanatense, em Setembro de 1994, recebera a designação de “Res
Libraria”. Lembrei-me então da frase a “famosa arte da imprimissão”, que em
1948 Américo Cortez aproveitara para título de uma obra consagrada à história
da tipografia e ao estudo da sua importância para a sementeira de cultura que,
desde o século XV, os Portugueses haviam levado aos quatro cantos do mundo.
É que tais dizeres não designam apenas a actividade desenvolvida através das artes tipográficas. Contêm também, no mistério que os envolve, uma dimensão simbólica que abrange, para além daquele significado estrito, todo o fascínio e toda a carga cultural que o Tempo e a História imprimiram ao objecto concreto designado pela palavra “livro”.
Com efeito, ao inventariar em 1726 a livraria do Conde de
Vimioso, menciona D. Francisco Xavier de Meneses, o quarto Conde da Ericeira,
personalidade bem conhecida nos meios culturais portugueses de Setecentos
(1673-1743), uma edição das “Obras” do Infante D. Pedro, Duque de Coimbra
(1392-1449), em cujo colófon podia ler-se: «Este livro se imprimio seis anos
depois que em Basileia foy achada a famosa arte da imprimissão.
(…) Ninguém, desde então, voltou a ver tais livros,
provavelmente desaparecidos na voragem do terramoto que em 1755 assolou a
cidade de Lisboa. (…)
Fosse como fosse, Enzo Crea aceitou a misteriosa frase,
que recolhia há 270 anos naqueles misteriosos livros, ficara simbolicamente
como divisa dos primórdios da tipografia em Portugal. Com
efeito, ela servia às mil maravilhas para designar a nossa exposição, que
procurava manter, no tempo actual das cibernéticas bibliotecas virtuais, a
nobreza, o prestígio e a incomparável beleza do livro impresso, cuja vista e
cujo prazer táctil nenhum CD-ROM jamais poderá substituir aos olhos e dedos
humanos.”
Aníbal
Pinto de Castro *, Director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Entre o livro e a lâmpada
Um mestre do
pensamento e arqueólogo dos saberes, Michel Foucault, relaciona com a idade
moderna a descoberta de um espaço novo para a
imaginação, porventura desconhecido das épocas precedentes, pelo menos
em todas a s suas potencialidades. “Este novo lugar de fantasmas deixou de ser
a noite, o sono da razão, o vazio incerto escancarado perante o desejo; é, pelo
contrário, a vigília, a atenção contínua, o zelo erudito, a atenção sempre
vigilante. O quimérico nasce agora da superfície negra e branca dos sinais
impressos, do volume fechado e poeirento que se abre sobre um voar de palavras
esquecidas; desprende-se com cuidado no sossego da biblioteca, com as suas
fiadas de livros, os títulos alinhados, as estantes que limitam por todos os
lados, mas que, por outro lado se escancaram ao mundo dos impossíveis. O imaginário
intromete-se entre o livro e a lâmpada. O fantástico desaparece dos corações;
deixamos de esperar que surja das incongruências da natureza; atingimo-lo na
exactidão do saber; a sua riqueza espera por entre os documentos. Para sonhar,
não se torna necessário fechar os olhos, basta ler. A verdadeira imagem é o
conhecimento. São palavras já ditas… O imaginário não se forma contra o real para
o negar ou para compensar a sua perda; alonga-se entre os sinais, de livro para
livro, nos interstícios das explicações e dos comentários; nasce e forma-se no
intervalo dos textos. É um fenómeno de biblioteca”.
Arrastados pela imaginação, esquecemo-nos de dizer que
os livros deste nosso onírico erudito (Michel Foucault) são o produto de uma
editora particular, as Edizioni dell’Ellefante, assim chamada pelo símbolo que
a representa, o Elefante de Bernini que domina a Praça romana de Minerva. Mas o
que são estas Edições do Elefante? Quem as concebeu? A que público se destinam?
Que finalidade pretendem? A quem servem? Perguntas ociosas, depois de quanto
escreveram, em catálogos comemorativos ou exposições e em intervenções diversas
(…).
A arte do livro “ao modo antigo” corria sérios riscos de
se afogar naquela indústria cultural que desde o fim da segunda guerra mundial
se tornava cada vez mais tumultuosa e agressiva. O livro criado por um
“concepteur”, como fora o livro antigo, via-se confinado a experiências
circunscritas, a zonas de luminoso silêncio, no meio daquele tumulto: Piazza dei
Caprettari, em Roma, a sede dos livros dell’Elefante, e Enzo Crea o seu
artífice-“concepteur”, representam uma destas raríssimas zonas.
As Edizioni dell’Elefante nasceram em 1960 como uma
“private press” e foram postas sob o signo de Bernini a partir de 1964. Mas as
datas não contam. O que conta são os escritores, os artistas, os bibliófilos,
os filólogos, os homens de gosto e de cultura que se reúnem à volta de Enzo
Crea e que com Enzo Crea colaboram com paixão, conselhos, intervenções ou
discussões (…).E a Enzo Crea cabe a escolha dos textos, do papel, da
arquitectura da página, dos caracteres tipográficos, do repertório das
ilustrações, dos fundos cromáticos, dos frontispícios, das encadernações, do
que fazem de cada uma das edições do Elefante um acontecimento irrepetível.”
Guglielmo Cavallo, Professor Catedrático da Universidade
de Roma “La Sapienza”
*
Aníbal
Pinto de Castro (Coimbra,
Cernache, 17 de Janeiro de 1938 - Coimbra, 7 de Outubro de 2010)
Licenciado
em Filologia
Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
onde, em 1973, também se doutorou em Literatura Portuguesa,
com uma tese sobre Retórica e Teorização Literária em Portugal. Professor
catedrático desde 1981, foi nomeado director da Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra em 1987. Foi, também, director da Casa de Camilo
Castelo Branco, em São
Miguel de Seide, desde 1996.
Aníbal
Pinto de Castro foi sócio-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa
desde 1987 e sócio-efectivo desde 1999.
Na
sequência da sua actividade de investigador da literatura portuguesa,
particularmente de Luís de Camões, Aníbal Pinto de Castro publicou uma vasta
obra que ultrapassa os 200 títulos.
JFSR,16-12-2016
JFSR,16-12-2016