01 abril 2006

QUANDO OS LOBOS JULGAM, A JUSTIÇA UIVA(III)

Àcerca do Autor:
Aquilino Ribeiro

Aquilino Ribeiro nascido a 13 de Setembro de 1885, na freguesia de Carregal da Tabosa, concelho de Sernancelhe, filho de Mariana do Rosário Gomes e do Padre Joaquim Francisco Ribeiro, ingressou em1895 no Colégio da Senhora da Lapa, indo seguidamente para Lamego, mais tarde Viseu(ano de 1902), onde cursou Filosofia, e, pouco tempo depois, para o Seminário de Beja, donde foi expulso em 1904, por falta de vocação.
Registos desse tempo juvenil encontram-se ficcionados em A Via Sinuosa, no díptico Cinco Réis de Gente e Uma Luz ao Longe, e sob a forma de memórias em Um Escritor Confessa-se, publicado postumamente.
Chegado a Lisboa, em 1906, dividiu-se entre a escrita, com artigos de opinião publicados em jornais como a Vanguarda, jornal republicano, ou a redacção em parceria com José Ferreira da Silva do folhetim A Filha do Jardineiro, de propaganda republicana e de crítica às figuras do regime monárquico.
Aderiu por completo às movimentações republicanas, quer através de um posicionamento pela escrita, quer através da participação em actividades que acabaram por levá-lo à cadeia, no ano de 1907, de onde se evadiu em situações rocambolescas.
Depois de alguns meses de clandestinidade em Lisboa, seguiu para Paris onde contactou com a intelectualidade portuguesa que, também por motivos políticos, se viu forçada a viver fora de Portugal, e ali conheceu Grete Tiedemann, sua primeira mulher e mãe do filho mais velho.
No dealbar da Guerra Mundial, foi forçado pelas circunstâncias a regressar ao seu país com a família, em 1914.
Já em Portugal, ocuparam-no, para além da escrita ficcional e da escrita cronística para a imprensa periódica (uma actividade que desenvolveria com enorme regularidade ao longo de toda a sua vida), o trabalho de professor no Liceu Camões, onde ficou durante três anos, e, posteriormente, o cargo de segundo bibliotecário na Biblioteca Nacional, para onde entrou a convite de Raul Proença, continuando a desenvolver uma actividade cívica que iria ter a sua expressão mais visível na revista Seara Nova, publicação preponderante quer na difusão dos ideais republicanos (sociais e educativos, nomeadamente), quer mesmo no evoluir da conturbada vida política da 1.ª República.
A sua participação, em 1927, na revolta frustrada contra a ditadura militar sequente ao golpe de 28 de Maio de 1926, obrigou-o, por isso, a refugiar-se em Paris.
De regresso a Portugal, voltou a participar numa acção anti-regime (no chamado movimento do regimento de Pinhel), mas foi capturado e levado para a prisão do Fontelo, em Viseu. Fugiu também dessa vez, escondendo-se pelas serranias beirãs, encetando uma difícil jornada que de novo o levou até Paris; destas experiências de activista político aproveitou também o escritor, no enredo, por exemplo, de O Arcanjo Negro (redigido em 1939-40, mas, devido a problemas com a censura, publicado apenas em 1947) ou de O Homem que Matou o Diabo.
Sublinhe-se que na década de 20 publicara duas obras que, a par de Terras do Demo e de A Casa Grande de Romarigães, constituem dois dos seus textos mais emblemáticos: o picaresco Malhadinhas, primeiro inserido no volume de novelas Estrada de Santiago, depois em edição independente, e o extraordinário Andam Faunos pelos Bosques, uma sátira genial, mas tolerante ao conservadorismo cristão e um hino ao amor livre.
O tempo de exílio terminou em 1932, ano em que regressou ainda clandestinamente a Portugal; tinha entretanto casado em segundas núpcias (a primeira mulher morrera no ano de 1927) com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado, o Presidente da República deposto por Sidónio Pais.
Em 1933, o conjunto de novelas As Três Mulheres de Sansão recebeu o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa, e em 1935 foi eleito sócio correspondente desta instituição, da qual se tornaria sócio efectivo em 1957.
Não tendo nunca abdicado da originalidade, um dos seus grandes valores estéticos, acabou por não alinhar com nenhum dos movimentos literários de que foi contemporâneo. Continuou a participar em acções críticas da ditadura salazarista, tendo aderido ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) empenhando-se na defesa e difusão da causa, por exemplo, em textos publicados na imprensa diária, em 1948-49 apoiou a campanha presidencial de Norton de Matos, integrando, com outras figuras do saber, a Comissão Promotora do Voto, e militou na candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, no ano de 1958.
A este activismo político, há que juntar a tenacidade com que, durante mais de duas décadas, promoveu uma agregação formal e institucionalizada dos escritores até conseguir criar, unido a alguns contemporâneos, a Sociedade Portuguesa de Escritores, de que foi fundador e presidente, isto no ano de 1956.
O tempo não lhe subtraiu o prestígio de grande figura da escrita, reconhecido dentro e fora de de Portugal.
Atestam esse prestígio factos como a apresentação da sua candidatura ao Nobel, proposta por Francisco Vieira de Almeida e subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Joel Serrão, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.
Atesta-o sobremaneira o extraordinário movimento que se desenvolveu em sua defesa depois da publicação do romance Quando os Lobos Uivam, em 1958, considerado pelo regime como injurioso das instituições de poder e levando à instauração de um processo crime contra o escritor. Para além da defesa formal, levada a cabo pelo advogado Heliodoro Caldeira, Aquilino teve o apoio de cerca de 300 intelectuais portugueses que se juntaram num abaixo-assinado pedindo o arquivamento do processo; fora de Portugal, François Mauriac redigiu uma petição em defesa de Aquilino, assinada, nomeadamente, por Louis Aragon e André Maurois e publicada em vários jornais e revistas franceses. O processo crime acabou por ser arquivado cerca de vinte meses depois da sua instauração, na sequência de uma amnistia.
Embora sem se fazer completamente justiça, encerrava-se uma acção injuriosa dirigida contra «alguém que foi e será sempre um dos nomes maiores das nossas letras, que trouxe à língua uma plasticidade impressionante combinando o rústico com o erudito, que foi um observador atento das 'grandezas e misérias' do género humano, que criou uma galeria de personagens passando pelo campesino beirão, pelo pequeno-burguês de província, pelo cosmopolita, pelo idealista, pelo obcecado, pelo asceta e pelo sibarita, pela mulher tentadora e pela virgem solícita e generosamente disponível...alguém que, enfim, por via da reflexão, saber, trabalho, estudo, deixou para os séculos uma visão exaltante da existência, mas temperada pela melancolia de quem não esquece a inevitável efemeridade de todas as coisas»(1).
"Alcança quem não cansa", diz o ex-libris de Aquilino Ribeiro. Não poderia ter escolhido melhor este escritor, que se designava a si próprio como um "obreiro das letras" e que trabalhou incansavelmente quase até ao dia da sua morte, chegada a 27 de Maio de 1963.
"Mais não pude", pretendeu Aquilino que fosse o seu epitáfio.
FONTE:
(1) Martins, Serafina "Figuras da Cultura Portuguesa - Aquilino Ribeiro"
Centro Virtual Camões-Cultura Portuguesa Século XX/ Instituto Camões Portugal 2003-2006