19 novembro 2016

O ALMOCREVE DA REPÚBLICA-PADRE BARROS GOMES,VÍTIMA DA REPÚBLICA

«PADRE BARROS-GOMES, VICTIMA DA REPÚBLICA», P. Bráulio Guimarães C.M.
Morto a tiro a 5 de Outubro de 1910, no Palácio de Arroios
Organização dos Padres Manuel Aguiar e Agostinho de Sousa, da Congregação da Missão
Prefácio de D. Manuel Clemente, Bispo Auxiliar de Lisboa
© 2006, Congregação da Missão - Padres Vicentinos e Alêtheia Editores Associando-se ás comemorações do Centenário da República em Portugal, a Alêtheia Editores dá a conhecer a história de uma das vítimas das primeiras horas da República.




    Bernardino Barros-Gomes (1839-1910), bacharel em Matemática e licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra em 1860, partiu nesse mesmo ano para a Alemanha, onde frequentou a Academia Florestal de Tharandt, cujo curso concluiu em 1862.

   No ano seguinte regressou a Portugal e ficou adido à Repartição de Agricultura. Veio para a Marinha Grande em 1866 para elaborar a planta cadastral do Pinhal, sendo nomeado Administrador das Matas.

   A reforma do Regulamento do Serviço das Matas Nacionais, em 1872, dividiu o país em 3 divisões florestais: Bernardino Barros Gomes foi nomeado Chefe da Divisão do Norte até 1874. De 1874 a 1879 foi Chefe da Divisão Florestal do Sul, terminando as suas funções como Chefe da Divisão Florestal do Centro, de 1879 a 1883. 
  Bernardino Barros Gomes dirigiu o Pinhal de Leiria deixando obra incomparável. Insigne silvicultor, continuou o trabalho de Warnhagen dando ao Pinhal o ordenamento devido, dividindo-o em talhões, através da abertura de aceiros e arrifes. Elaborou, em 1882, a primeira Planta Geral da Mata de Leiria, criou a escrituração técnica do Pinhal e instalou os primeiros postos de meteorologia. Foi também Bernardino Barros Gomes quem propôs a abertura das primeiras estradas: Marinha Grande - S. Pedro de Moel e Marinha Grande - Vieira de Leiria.
  Barros Gomes introduziu em Portugal os estudos de ordenamento e de economia florestal, procedendo a levantamentos cartográficos minuciosos de muitas áreas. Profundo conhecedor da flora portuguesa, relacionou a repartição das espécies florestais com o meio, implementando também os primeiros estudos fitogeográficos. Legou ao País, como cientista e técnico competente, inúmeras publicações, entre relatórios oficiais e sínteses das suas reflexões, para além de mapas que ilustravam uns e outros.
   As suas actividades levaram-no a palmilhar o País e a conhecê-lo a fundo, o que lhe permitiria vir a escrever sínteses notáveis, reunindo as suas observações. A partir das características naturais do território português, esboçou uma divisão regional, proposta em Carta orográfica e regional de Portugal (1875), tendo por base a Carta Geográfica 1:500 000 (1865) dirigida por F. Folque. Ao relevo associou os contrastes climáticos e a repartição da população, num trabalho pioneiro sobre o qual assentariam, meio século depois, as regiões geográficas de A. de Amorim Girão, H. Lautensach e O. Ribeiro.   No Relatório da Administração Geral das Matas relativo ao ano económico de 1879-1880 (1891) foram publicadas, da sua autoria, 9 cartas do conjunto de Portugal (1:1 000 000) com a distribuição das principais espécies florestais, entre as quais o pinheiro manso e bravo, a azinheira, a alfarrobeira e o sobro.
Distribuição das espécies florestais em Portugal segundo B. Barros Gomes: o sobro (1881).
Supõe-se que elas tenham estado na base da preparação de uma outra representação sua, a carta dos arvoredos ou Carta xilográfica de Portugal (1876). As Cartas elementares de Portugal (1878) foram o seu último trabalho de fôlego: este atlas, com cinco pequenos mapas e respectivas descrições, condensa o essencial dos seus estudos e observações, que ultrapassaram a ciência florestal. Ele foi geógrafo “malgré lui”, no dizer de O. Ribeiro, esse outro verdadeiro e destacado geógrafo português.
Embora destinadas ao ensino, pouca repercussão, no entanto, estas Cartas nele parecem ter tido.(1)
   
   Em 1884, já viúvo, entra para a Congregação da Missão e é ordenado sacerdote, passando a dedicar-se à vida religiosa e ao serviço dos pobres. Conhece a morte, pelas mãos dos revolucionários republicanos, no dia 5 de Outubro de 1910, em circunstâncias trágicas «com requintes de selvageria». Não obstante o relato detalhado, na obra a que fazemos referencia, do modo como ocorreu a morte de Bernardino Barros Gomes, bem como a do padre lazarista Alfredo Fragues (2), certas fontes têm vindo, persistentemente, a escamotear a verdade dos factos, atribuindo a mesma a "uma bala transviada" que "o atingiu mortalmente" (3).




  Em 1917, na Conferência Florestal, os Florestais portugueses alvitraram que se prestasse uma condigna homenagem àquele que foi o seu grande “Mestre”. No entanto, esta só veio a acontecer em 30 de Setembro de 1939, no centenário do seu nascimento, em Pedreanes, onde foi inaugurado um modesto mas significativo monumento. Na inauguração do monumento em sua homenagem estiveram presentes Silvicultores, Regentes Florestais e um pelotão formado por Guardas Florestais. O elogio do homenageado esteve a cargo do Silvicultor Júlio Mário Viana. Nesse mesmo dia foi plantado junto ao monumento um pinheiro manso já com três anos de idade, que hoje dá sombra ao monumento.(4)





MONUMENTO A BERNARDINO BARROS GOMES (5)


Localização: Marinha Grande, Freguesia da Marinha Grande, Estrada Principal do Pinhal do Rei, Pedreanes.
Data de Inauguração: 30-09-1939
 Promotor: Pessoal Florestal 
Materiais: Bronze (medalhão)
Descrição/ Tema: Medalhão de arte do século xx, de inspiração naturalista, com o homenageado retratado em vestes sacerdotais. Encontra-se integrado num maciço bloco com a representação em baixo relevo, da planta da área do “Pinhal de Leiria” em quadrículas, revelando a subdivisão do pinhal em “talhões”. Na base que consiste num bloco de pedra calcária, consta a inscrição: “AO INSIGNE / ENGENHEIRO DE FLORESTAS / BERNARDINO BARROS GOMES / O PESSOAL FLORESTAL / 30-9-1939”.
Historial: Monumento inaugurado no ano do centenário do nascimento de Bernardino António Barros Gomes (1839-1910), considerado um importante silvicultor no desenvolvimento do Pinhal de Leiria. Com cerca de 56 terá deixado esta atividade para se dedicar à vida religiosa.
Bibliografia: MENDES, José M. Amado Mendes, História da Marinha Grande, pg 161, ed. Câmara Municipal da Marinha Grande 1993; http://opinhaldorei.blogspot.pt/ [consult. 08-04-2014].
Bibliografia: Fotógrafo: Susana Paiva
Ano de Registo Fotográfico: 2005

Fontes:
(1) http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p59.html (2) sábado, agosto 25, 2007
(2) Vide FERREIRA, António Matos - Um católico militante diante da crise nacional : Manuel Isaías Abúndio da Silva : 1874-1914. Lisboa : Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2007. ISBN 978-972-8361-25-9

"Para os republicanos, por seu lado, a questão religiosa tornara-se peça importante na questão política, no combate contra os monárquicos, mas também como forma de unir os republicanos procurando contrariar a contestação social, incluindo a que despontava e se afirmava nos sectores populares. Por tudo isto, a partir do 5 de Outubro, o novo regime produzira rapidamente medidas concretas em relação à Igreja católica, onde o anticlericalismo, que constituíra elemento central da propaganda e da luta republicana na sua raiz maçónica e jacobina, acabou por determinar não só a elaboração legislativa, mas também e definição de um ambiente social incentivador desses procedimentos.

Este cunho anticlerical, com características persecutórias, evidenciara-se nos primeiros passos da Revolução, tendo em conta que diversos membros do clero foram sujeitos a ultrajes, à prisão, e dois deles, os padres Barros Gomes e Alfredo Fragues, foram mesmo assassinados."

(3)sábado, agosto 25, 2007
A MENTIRA DAS OMISSÕES/VÍTIMAS
Augusto Ascenso Pascoal
(4) quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012 Bernardino Barros Gomes
JM Gonçalves
http://opinhaldorei.blogspot.pt/2012/02/bernardino-barros-gomes.html
(5) http://www.culturacentro.pt/museuit.asp?id=335

JFSR,19-11-2016
  








 
 

  





05 novembro 2016

O ALMOCREVE DA REPÚBLICA - JUÍZES CASTIGADOS

JUÍZES CASTIGADOS POR AFONSO COSTA

    
    Chegados ao poder, os pontífices republicanos ordenaram um processo judicial contra João Franco e outros, por “dissipação de bens públicos” e vários outros crimes. Apresentada a acusação no Tribunal da Relação de Lisboa, não encontrou acolhimento favorável. Os juízes anularam todo o processo e mandaram arquivá-lo, o que acendeu a ira do governo e teve funestas consequências na carreira dos quatro magistrados.
   A argumentação destes limitara-se a princípios gerais do direito: só se pode incriminar uma pessoa por actos definidos como crimes em lei anterior aos mesmos. Em Portugal não havia lei que determinasse a responsabilidade dos ministros pelos seus actos de governo. Várias vezes se haviam apresentado projectos-lei sobre a matéria, mas nenhum deles fora aprovado. Mesmo que fosse possível a acusação aos antigos ministros, esta caberia à Câmara dos Deputados, que estava dissolvida, não havendo ainda instituição que a substituísse.
   A acusação de João Franco fora já proposta ao parlamento pelo deputado Afonso Costa, em 1908, e rejeitada por grande maioria. Visto que a acusação fora já rejeitada pela única entidade competente para a apreciar, e tendo em conta as outras razões, consideravam os juízes que o Tribunal da Relação não era competente para apreciar o processo e mandavam anulá-lo.
Afonso Costa
   A resposta do Governo Provisório abateu-se prontamente sobre os quatro juízes que deste modo desafiavam os intentos vingativos da República Portuguesa. Tomando a decisão de arquivamento como uma afronta à Nação Portuguesa, decretava o governo provisório, em 21 de Dezembro de 1910, que os prevaricadores fossem transferidos para o Tribunal da Relação de Nova Goa.
   O decreto do governo provisório abria com um longo preâmbulo, onde era duramente atacada a atitude dos juízes, a quem se atribuíam malévolas intenções. Tinham aqueles se insurgido “abertamente contra alguns princípios essenciais da Republica Portuguesa, tais como: a responsabilidade ministerial, a igualdade de todos os cidadãos perante a justiça, a incompatibilidade absoluta entre os crimes de desvios de dinheiros públicos e os abusos de origem ou carácter politico”. Mais ainda: “pretenderam desferir contra ella (a república) golpes audazes, que inutilizariam a justiça na sua própria essencia moral se pudessem ficar como regra ou mesmo sómente como exemplo”. Tinham agido como “juízes monarchicos, impenitentes adoradores da carta, contra os princípios essenciaes da nova Republica. Elles quizeram innocentar, libertar dos simples incommodos das accusações criminaes, todos os ministros do antigo regime”.
   O crime dos juízes consistia, pois, em haverem proferido uma sentença que ignorava os grandes acontecimentos ocorridos no país em 5 de Outubro. Aqui o decreto ganha um tom doutrinário, revelando a interpretação do governo provisório sobre o mandato que lhe fora confiado: os ministros do governo provisório tinham sido “acclamados pelo povo e não nomeados pelo Rei”, o que lhes dava uma autoridade superior a qualquer outro poder, mesmo o judicial. “O Governo Provisório, tendo recebido directamente da Nação a soberania sem limitação alguma, cabendo-lhe por isso todos os poderes do Estado, em vez de os conservar na sua mão, como era seu direito … apressou-se a reconhecer ao antigo poder judiciário … a plenitude da funcção de julgar”. Este acto generoso tornava mais grave a infidelidade dos juízes aos propósitos da república. Era o governo quem tinha autoridade para definir todos os princípios de organização da sociedade portuguesa.“Perante o simples facto da proclamação da Republica caiu tudo quanto na carta representava organização do Estado, agora confiada pela Revolução, exclusivamente ao Governo Provisório e à livre vontade dos eleitores”.
  
Abel de Mattos Abreu e colegas
O Desembargador Abel de Mattos Abreu,
considerado o cabecilha do grupo de «juízes rebeldes», como foram apelidados pelos republicanos no poder, juntamente com os seus colegas Basílio Alberto Lencastre da Veiga, António Augusto Barbosa Vianna e Manuel Pereira Pimenta de Sousa e Castro,deixavam de pertencer ao Tribunal da Relação de Lisboa e eram colocados nas quatro vagas existentes no Tribunal da Relação de Nova Goa,por decreto de Afonso Costa de 21 de Dezembro de 1910, publicado no Diário do Governo n.º 66 de 1910, de 22 de Dezembro daquele ano.

Foi um período doloroso para Abel de Mattos Abreu e família por se sobrepor à doença e morte, a 25 de Janeiro de 1911, da sua mulher Maria José. Teria mesmo chegado a ponderar a hipótese de não acatar o decreto.  A 8 de Abril de 1911, Mattos Abreu, acompanhado dos filhos Adriana e Augusto, parte para Nova Goa, onde chega no dia 1 de Maio, em plenas férias judiciais. 
   No dia 6 de Junho, é publicado em Lisboa, no Diário do Governo, um sucinto decreto “mandando que sejam novamente colocados no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes que do mesmo tribunal haviam sido removidos”. 
  E, um mês depois, a 13 de Julho, o Supremo Tribunal de Justiça, julgando definitivamente, anula todo o processo contra João Franco.
   A 12 de Junho, após curta estadia, Mattos Abreu inicia a sua viagem de regresso à Relação de Lisboa, por decreto de Bernardino Machado de 6 de Junho de 1911. Aí permanecerá até 1 de Abril de 1919, quando ascende a juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.  
Bernardino Machado
  Abel de Mattos julgou sempre segundo a sua consciência de homem livre, aplicando a lei com rigor e independência, ignorando interesses e poderes instalados. Assim, afrontou dois dos maiores vultos políticos do Portugal Contemporâneo:um deles, João Franco, encarnando a Monarquia na sua última barricada, quando colocado no Tribunal do Comércio em Lisboa, onde, a 4 de Julho de 1907, com a independência que lhe era reconhecida, negou, em sucessivas sentenças, força legal a um decreto do Primeiro-Ministro sobre cobranças de pequenas dívidas (os grandes devedores eram deixados em paz), que fora promulgado em ditadura, tendo em consequência dessa decisão sido “desterrado” para a Relação dos Açores; o outro, Afonso Costa, encarnando a República nas suas revoltas. 




A transferência dos juízes inspirou uma indignada crónica de Fialho de Almeida, incluída mais tarde no seu livro “Saibam Quantos…” 


O autor de “Os Gatos” admirava-se da passividade com que a magistratura portuguesa recebera esta afronta, submissamente, sem protestos.










A enorme distancia, no minúsculo território do Estado da Índia, Soares Rebelo, advogado e antigo juiz substituto, através do seu criterioso estudo jurídico intitulado «Um acto de Justiça imaculada», tentou analisar “num intuito puramente científico” os dois arestos da Relação de Lisboa, apontando as irregularidades daquele processo, que não tinha por base uma lei particular expressamente exarada no País sobre a responsabilidade criminal dos ministros monárquicos por actos cometidos no exercício das suas funções públicas.
O autor tem palavras de apreço e de admiração para com os Desembargadores da Relação de Lisboa que despronunciaram os pretensos criminosos incorrendo no desagrado dos Governantes e suportando injusta transferência, por castigo. Presta-lhes os mais rasgados elogios pela coragem e pelo brio com que aqueles «mais uma vez acreditaram a “independência” da magistratura portuguesa».

Fontes:


(consultada a 05-11-2016,17:27)
Soares Rebelo, Joaquim Filipe Néry: «Um acto de Justiça imaculada», publicado n’«A Índia Portuguesa», Orlim, ano 22.º, n.ºs 2475 e 2476, de 28 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1911. Vide «Soares Rebelo OBRAS COMPLETAS», vol.II, pp.235-253, Lourenço Marques, Moçambique, 1973.
 




JFSR,05-11-2016
 
 








 

03 novembro 2016

O ALMOCREVE DA REPÚBLICA - Política e Justiça na I República

POLÍTICA E JUSTIÇA NA I REPÚBLICA,Luís Bigotte Chorão
Um Regime entre a Legalidade e a Excepção Vol. 1 : 1910-1915
Colecção História Contemporânea
Livraria Letra Livre, 1.ª edição Janeiro 2011

"O título escolhido traduz rigorosamente o objecto da investigação, e o subtítulo clarifica a perspectiva de análise historiográfica que tem a particularidade de se abrir à compreensão do elemento jurídico. Sendo certo que este elemento é incindível da realidade histórica global, facto é que ele se afirma na sua especificidade própria, pelo que naturalmente determina, ou ao menos influencia, o critério da sua apreensão e relacionamento com outros factores históricos."
      O perfeito advogado e o «aspecto profundamente injurídico» da República
Quando na noite de 16 de Fevereiro de 1921, José Soares da Cunha e Costa subiu à tribuna da Associação dos Advogados de Lisboa para proferir a «conferência solene do ano associativo», decidiu confrontar a assembleia, não com a discussão de uma qualquer questão exegética da ciência jurídica - a que estavam acostumados os habituais frequentadores dos trabalhos da Associação  -, mas com um tema de dupla relevância jurídica e política, e permanente actualidade.
      Cunha e Costa, é certo, alinhara desde os seus tempos de escolar de Direito em Coimbra com os adversários da monarquia (...). Integrou depois as listas eleitorais do Partido Republicano e foi eleito vereador em Lisboa, guindando-se, logo após o 5 de Outubro, a colaborador próximo de Afonso Costa, a respeito de cuja «individualidade inconfundível» - assim a caracterizou -, já antes notara o que mais o cativava e seduzia: «a sobriedade dos processos com os quais obtém os máximos efeitos».

(...) Como por certo nenhum dos circunstantes ignoraria que pudesse suceder, Cunha e Costa transformou a sua comunicação, irrepreensível no plano formal, numa violenta catilinária contra o que qualificou constituir a «tara» inicial do regime: « o seu aspecto profundamente injurídico».
      Na palavra do conferencista, o diagnóstico não se revestia propriamente de novidade, pois no final de 1911 escrevera nas páginas de O Dia:
      «Abundam as leis de efeito retroactivo, as leis de circunstância, as leis proscriptoras dos direitos mais autenticamente adquiridos. A legislação da República é a incerteza do Direito. A República não tem, por ora, a noção de Direito.19.
Há nos republicanos de governo uma tendência irresistível para o arbítrio. Confundem facilmente a energia com a violência. Reincidem instintivamente em todas as práticas que precipitaram a queda de João Franco e da Monarquia».

19 O Dia, de 31 de Dezembro de 1911


02 novembro 2016

O ALMOCREVE REPUBLICANO - Desinfecção !

ILLUSTRAÇÃO PORTUGUEZA edição semanal do jornal O SÉCULO  Director: Carlos Malheiro Dias
N.º 258 Lisboa, 30 de Janeiro de 1911

O EMBARQUE DAS IRMÃZINHAS DOS POBRES, p.143

1- As irmãs dirigindo-se para o posto de desinfecção
2 - O rebocaador que conduziu a religioss a bordo do 
     vapor Hillary
3 - As religiosas em trajes seculares no Posto de
     Desinfecção
4 - A descida das escadas do Posto de Desinfecção
5 - outras religiosas no caes de embarque
(Clichés de Beloniel)

O ALMOCREVE REPUBLICANO - Liberdade de Imprensa...

ILLUSTRAÇÃO PORTUGUEZA, Edição semanal do jornal O SÉCULO
II Série N.º 256 Lisboa,1 de Janeiro de 1911 Director: Carlos Malheiro Dias

O EMPASTELAMENTO DA IMPRENSA MONARCHICA, p.88

No domingo, 8 de Janeiro, uma grande multidão invadiu as redacções dos jornais monarchicos Correio da Manhã, Diário Illustrado e Liberal que atacavam o governo da Republica e empastellou as respectivas typographias, partiu mobiliário, apeou taboletas, marcando assim o seu protesto.
O governo ordenou um inquerito afim de apurar quem foram os culpados d'esse acto contra os periodicos adversários do regimen.

01 novembro 2016

O ALMOCREVE REPUBLICANO - Democracia...à bomba!

ILLUSTRAÇÃO PORTUGUEZA
II Série N.º255 Lisboa,9 de Janeiro de 1911
Edição semanal do jornal O SÉCULO
Director: Carlos Malheiro Dias

A BOMBA A SERVIÇO DA REVOLUÇÃO
Jorge de Abreu

Dias depois da proclamação da Republica, tivemos ensejo de falar a um jornalista francez que actualmente collabora n'um diário radical - extremamente radical - do seu paiz. Esse confrade queria, antes de mais nada, saber se realmente no movimento revolucionário de 4 e 5 de Outubro, o elemento popular representara um papel importante. Tinham-lhe fornecido essa informação e elle, julgando-a preciosa para a reportage, desejava vel-a confirmada em absoluto. Respondemos-lhe affirmativamente, accrescentando que muitos dos revoltosos da classe civil haviam utilisado a bomba explosiva como arma de combate, destinada especialmente a destroçar a cavallaria inimiga.
- E em Lisboa fabricam-se bombas? perguntou logo o jornalista faiscante de interesse.
- Fabricam-se...
- Em larga escala?
- Às centenas...
O confrade pulou da cadeira em que se refastelara e murmurou commovido:
- Mas isso é uma industria...
Socegamol-o, explicando-lhe que o fabrico das bombas entre nós não revestia um carácter mercenário.
(...) Na infancia da arte, a polícia preventiva, sob a direcção do Juiz Veiga, tinha uma lista de fabricantes, que lhe facilitava o trabalho das capturas, quando, porventura, se produzia qualquer incidente de caracter agitador. E explosão da Estrella - em que se feriram bastante alguns  d'esses confeccionadores de engenhos destruidores - foi o primeiro signal de rebate que a policia teve d'uma larga preparação de bombas com destino ao movimento de 28 de Janeiro. N'essa altura ainda a lista a que nos referimos deu ao juiz Veiga elementos para desfiar um pouco a meada do complot. Os individuos presos n'essa ocasião pertenciam na quasi totalidade à loja irregular Obreiros do Futuro, uma carbonaria lisboeta fundada em 1897 por Heliodoro Salgado, Benjamim José Rebello, Julio Dias, Sebastião Eugénio, José do Valle e  varios democratas de Alcantara.
(...) À explosão da Estrella succedeu, com pequeno intervalo, a do rua do Carrião.(...) Aquilino Ribeiro, embora as suas convicções o tivessem desde muito enfileirado n'um grupo libertario, nunca fizera bombas. Sabia que, mercê da preparação do movimento revolucionário de 28 de Janeiro esse fabrico se estendera a diversos pontos da capital e mesmo para fóra d'ella; dava-se intimamente com diversos militante e propagandistas da acção directa, cooperara até na organizaçãp do ataque aos quartéis, e às forças da municipal, indo com o regicida Alfredo Costa e outros alugar quartos em varios pontos estrategicos - d'onde projectavam dynamitar aquella legião fiel ao regimen monarchico (...).
De repente, um grande estrondo fez estremecer o pavimento, o tecto, as paredes, do modesto quarto da rua do Carrião. A bomba do D. Gonçalves Lopes explodira!...
(...) Esse momento foi para Aquilino de dolorosissima hesitação. Dirigiu-se a outro quarto a lavar-se porque estava negro como um carvoeiro e quando voltou ao primeiro aposento pensou em fugir. Mas, como? O chapeu que tinha na cabeça, um chapeu molle, de feltro preto, parecia um crivo. O vestuario não inspirava confiança, as mãos e a cara denunciavam-n'o, trahiam-n'o. Passeiou uns segundos no quarto, sem saber o que fazer e quando percebeu que gente estranha subia a escada do predio, a inquirir da causa do estrondo escondeu-se debaixo de uma cama.. Os primeiros minutos passou-os quieto e calado n'esse refúgio de occasião. Mas, logo que ouviu a curta distância os commentários da polícia e as interrogações dos reporters, longe de procurar misturar-se aos collegas - Aquilino era n'esse tempo collaborador d'um diario republicano da manhã - dando-se ares de alheio ao caso, começou de agitar-se e despertou a attenção do chefe Ferreira. Estava apanhado...
Levaram-n'o para o governo civil e depois á Morgue. Aqui, collocaram-n'o em frente dos dois cadaveres mutilados - o do dr. Gonçalves Lopes e o do commerciante - e tentaram, com essa confrontação perturbadora, arrancar-lhe a confissão plena do seu segredo. Aquilino verteu uma lágrima de saudade, mas nada disse do que a polícia ambicionava saber. E durante os dois mezes de incommunicabilidade na esquadra do Caminho Novo, de tal modo resistiu ao cerco de perguntas que o chefe Ferreira lhe dirigiu que o juizo de instrucção criminal que, com a explosão da Estrella, conseguira prender, por suspeitas, umas cem pessoas, com a da rua do Carrião, apenas incomodou um homem em casa de quem foi encontrado um cartão de visita, onde se lia unica e simplesmente o nome de Aquilino...

4- As bombas expostas no Museu da Revolução
5- O commerciante J. Belmonte, a outra victima da explosão da Rua do Carrião