26 dezembro 2007

NATAL

Após uma longa interrupção, regressamos ao [dis]curso deste blog, esperando desta vez dar-lhe continuidade, mais assiduamente, propondo-nos tratar, não somente assuntos relacionados com o nosso passado histórico, mas temas da actualidade, e com incidência quanto ao futuro.
No entanto, tendo em consideração a quadra que atravessamos, que perdeu a sua perspectiva humanista, para se tornar num mero pretexto a um desenfreado consumismo, deixamos à reflexão dos nossos visitantes ( cujo número, embora modesto, anima-nos a prosseguir), este extraordinário poema intitulado «Natal», da autoria de um grande Poeta, hoje injustamente esquecido, de nome Álvaro Feijó(1).

NATAL
Nasceu.
Foi numa cama de folhelho
entre lençóis de estopa suja
num pardieiro velho.
Trinta horas depois a mãe pegou na enxada
e foi roçar nas bordas dos caminhos
manadas de ervas
para a ovelha triste.
E a criança ficou no pardieiro
só com o fumo negro das paredes
e o crepitar do fogo,
enroscada num cesto vindimeiro,
que não havia berço
naquela casa.
E ninguém conta a história do menino
que não teve
nem magos a adorá-lo
nem vacas a aquecê-lo,
mas que há-de ter
muitos Reis da Judeia a persegui-lo;
que não terá coroas de espinhos
mas coroas de baionetas
postas até ao fundo
do seu corpo.
Ninguém há-de contar a história do menino.
Ninguém lhe vai chamar o Salvador do Mundo.

Lisboa, Dezembro de 1940

(1)vide "A Poesia de Álvaro Feijó", por João José Cochofel, in «Os Poemas de Álvaro Feijó», Colecção Poetas de Hoje 1, Portugália Editora, Lisboa, 1961.